O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou recentemente, no julgamento do AREsp nº
2580956 – /SP, a possibilidade de o Fisco arbitrar a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quando o valor declarado pelo contribuinte não reflete o valor de mercado do bem transmitido. Essa decisão aprofunda um debate crucial sobre a autonomia do Fisco e os limites para o arbitramento, trazendo implicações diretas para contribuintes e operadores do Direito.
No caso analisado, a Fazenda Pública de São Paulo desconsiderou o valor venal declarado pelos herdeiros, que utilizavam o parâmetro do IPTU, e procedeu ao arbitramento de um valor superior com base em critérios próprios. O STJ validou essa prática, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa, e destacou que a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor de mercado do bem, e não necessariamente o valor venal tributável do IPTU.
O Debate Jurídico: Valor Venal x Valor de Mercado
A decisão traz à tona uma questão central no Direito Tributário: a definição da base de cálculo justa e previsível para o ITCMD. O artigo 38 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a base de cálculo do ITCMD deve ser o valor venal dos bens transmitidos. No entanto, a interpretação desse dispositivo permite debates:
1. Princípio da Legalidade Tributária: A Constituição exige que a base de cálculo seja definida por lei. Muitos estados utilizam o valor venal do IPTU como referência, mas o Fisco, ao arbitrar valores com base no mercado, pode extrapolar o critério legalmente estabelecido.
2. Valor de Mercado e Arbitramento: O artigo 148 do CTN permite o arbitramento quando há omissão ou evidente subvalorização na declaração do contribuinte. Contudo, essa prática exige critérios técnicos e objetivos, evitando abusos.
Doutrina Nacional: Hugo de Brito Machado Filho ressalta que “o arbitramento deve ser utilizado apenas como última instância, quando o Fisco comprovar de forma robusta que o valor declarado não reflete a realidade econômica do bem” (Aspectos Fundamentais do Direito Tributário, 2020).
Doutrina Estrangeira: Klaus Tipke, renomado jurista alemão, defende que “a intervenção do Fisco na apuração da base de cálculo deve estar fundamentada em parâmetros objetivos, previamente estabelecidos, para garantir segurança jurídica e evitar a arbitrariedade” (Grundfragen der Steuerrecht, 2015).
O Que Decidiu o STJ?
No AREsp nº 2580956 – /SP, o relator, Ministro Francisco Falcão, destacou que o valor venal utilizado para o cálculo do IPTU não reflete, necessariamente, o valor de mercado do imóvel, especialmente em situações de valorização imobiliária ou quando há evidências de subvalorização declarada. Assim, é legítimo que o Fisco utilize o valor de mercado para calcular o ITCMD, desde que:
• Seja garantido o direito de contraditório ao contribuinte;
• A discrepância entre o valor declarado e o de mercado seja comprovada;
• O arbitramento seja acompanhado de fundamentação técnica, como laudos ou avaliações imobiliárias.
O julgamento reforça que a finalidade do ITCMD é refletir a capacidade contributiva real dos herdeiros ou donatários, vinculando o tributo ao valor econômico efetivo do bem transmitido.
Impactos Práticos para Contribuintes
A decisão do STJ traz implicações significativas:
• Insegurança Jurídica: Contribuintes que utilizam o valor venal do IPTU podem ser surpreendidos por arbitragens superiores, gerando aumento inesperado na carga tributária.
• Litígios Tributários: O arbitramento pelo Fisco tende a aumentar o número de disputas judiciais, especialmente em casos onde o critério adotado não é tecnicamente fundamentado.
• Necessidade de Avaliações Técnicas: Herdeiros e donatários devem investir em avaliações profissionais independentes para justificar os valores declarados e contestar arbitragens excessivas.
Case Prático: Em um caso similar em Minas Gerais, a Fazenda arbitrou o valor de um imóvel urbano em R$ 1,8 milhão, enquanto o contribuinte declarou R$ 1,2 milhão com base no IPTU. O Tribunal de Justiça anulou o arbitramento, pois o Fisco não apresentou laudo técnico para justificar a discrepância.
Comparações Internacionais: Como Outros Países Lidam com a Questão?
Em países como Estados Unidos e Alemanha, a tributação sobre heranças e doações utiliza critérios que vinculam o valor de mercado a parâmetros objetivos estabelecidos em lei. Nos EUA, o IRS (Internal Revenue Service) aceita o valor de mercado declarado pelo contribuinte desde que acompanhado de uma avaliação independente realizada por um profissional certificado.
Na Alemanha, a legislação permite o arbitramento apenas quando o contribuinte não apresenta documentação suficiente para comprovar o valor de mercado, sendo obrigatório que o Fisco justifique a diferença por meio de laudos específicos.
Comparação com o Brasil: A ausência de critérios uniformes no Brasil, aliada ao uso genérico do valor venal do IPTU, dificulta a previsibilidade tributária e amplia o poder discricionário do Fisco, o que gera incertezas.
O Papel do Advogado no Planejamento Tributário
A atuação de um advogado especializado é crucial em casos que envolvem arbitramento de ITCMD. Um profissional experiente pode:
• Realizar Análises Preventivas: Verificar se o valor declarado reflete o mercado e evitar penalidades futuras.
• Contestar Arbitragens Abusivas: Apresentar laudos técnicos e argumentos jurídicos para limitar a atuação arbitrária do Fisco.
• Planejar a Transmissão Patrimonial: Estruturar planejamentos sucessórios que reduzam o impacto tributário, como doações com reserva de usufruto.
Conclusão
A decisão do STJ no AREsp nº 2580956 – SP reforça a possibilidade de arbitramento da base de cálculo do ITCMD, mas evidencia a necessidade de critérios claros e técnicos para evitar arbitrariedades. Embora o Fisco tenha o direito de buscar o valor de mercado, é fundamental que os contribuintes estejam preparados para contestar cobranças abusivas e garantir uma tributação justa.
Se você enfrenta questionamentos sobre ITCMD ou precisa planejar a transmissão de bens, conte com uma assessoria jurídica especializada para proteger seu patrimônio e reduzir riscos tributários.
BRASIL. Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966).
STJ. AREsp nº 2580956 /SP, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 05/11/2024. Disponível em: https://www.stj.jus.br.
MACHADO FILHO, Hugo de Brito. Aspectos Fundamentais do Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2020.
TIPKE, Klaus. Grundfragen der Steuerrecht. Munique: Beck, 2015.
IRS. Valuation of Real Estate for Federal Tax Purposes. Washington: IRS Publications, 2022.