Impactos da Decisão do STJ para o Direito Sucessório e Tributário
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.968.695/SP marca um divisor de águas para o Direito Sucessório e Tributário no Brasil. A Corte definiu que a transferência de quotas de fundos de investimento fechados a herdeiros, em processos de inventário, não configura fato gerador do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), pois não há acréscimo patrimonial no momento da sucessão causa mortis.
Essa decisão não apenas protege o patrimônio familiar contra tributações indevidas, mas também reafirma princípios basilares do Direito Tributário, como o da legalidade e da capacidade contributiva. Portanto, vamos analisar os fundamentos dessa decisão, suas implicações práticas e como ela se insere no contexto mais amplo do planejamento sucessório e da tributação.
A Questão Central: Transferência de Quotas e Fato Gerador do IRRF
O caso julgado pelo STJ envolveu herdeiros que receberam quotas de fundos de investimento fechados como parte do espólio. Todavia, a Fazenda Pública buscava equiparar a transmissão por sucessão ao resgate ou alienação dessas quotas, o que geraria incidência de IRRF.
A controvérsia girou em torno do conceito de fato gerador do IRRF, definido pela legislação como o acréscimo patrimonial obtido com alienação, resgate ou liquidação de investimentos. O tribunal entendeu que a mera transferência de quotas no inventário não se enquadra nessas hipóteses, pois não gera aumento de riqueza, mas apenas continuidade patrimonial.
O relator do caso, Ministro Herman Benjamin, destacou que, “na sucessão causa mortis, a transmissão patrimonial é operação neutra do ponto de vista tributário, pois preserva a integralidade do patrimônio, sem configurar renda nova”.
Fundamentos Jurídicos da Decisão
Comparações Internacionais: Modelos Tributários em Outras Jurisdições
Em sistemas tributários de países como os Estados Unidos e o Reino Unido, a sucessão causa mortis não resulta na incidência de imposto sobre ganho de capital ou renda no momento da transferência. No entanto, pode haver outras obrigações tributárias envolvidas, dependendo das leis locais. Além disso, o conceito de hold-over relief, amplamente aplicado nesses países, assegura que o imposto seja cobrado apenas no momento da alienação ou resgate efetivo do ativo. Assim, esse mecanismo respeita o princípio da realização, garantindo maior alinhamento com a capacidade contributiva do beneficiário.
A Alemanha, por sua vez, segue um modelo similar, mas prevê uma tributação específica para heranças (Erbschaftsteuer), sem duplicidade com o imposto sobre ganho de capital.
Nota Comparativa: A decisão do STJ alinha-se a esses sistemas, reforçando a necessidade de separar o imposto sobre sucessões (ITCMD) do imposto sobre renda ou ganho de capital.
Implicações Práticas da Decisão
1. Segurança Jurídica
A decisão elimina a possibilidade de dupla tributação sobre ativos transmitidos por herança, trazendo previsibilidade para herdeiros e planejadores sucessórios.
2. Planejamento Sucessório
Com o reconhecimento de que a transmissão de quotas não gera tributação imediata, herdeiros podem manter investimentos financeiros sem necessidade de liquidação, preservando o patrimônio e otimizando a gestão de ativos.
3. Redução de Litígios
O precedente contribui para uniformizar o entendimento sobre o tema, reduzindo disputas judiciais e insegurança tributária em inventários que envolvam fundos de investimento.
4. Impacto no Mercado Financeiro
A decisão favorece o uso de fundos fechados em planejamentos sucessórios, valorizando esse instrumento como uma alternativa eficiente para famílias e empresas.
Doutrina e Precedentes Relevantes
Hugo de Brito Machado defende que a tributação deve, necessariamente, respeitar o princípio da realização, ou seja, só pode ocorrer quando há um acréscimo efetivo de riqueza. Segundo ele, “a mera substituição de titularidade, seja por doação ou herança, não é suficiente para caracterizar o fato gerador do Imposto de Renda” (Curso de Direito Tributário, 2021). Portanto, sua argumentação destaca a importância de se observar esse princípio como uma salvaguarda contra tributações indevidas.
Além disso, no âmbito jurisprudencial, a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.968.695/SP dialoga diretamente com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário nº 172.058/SC, relatado pelo Ministro Marco Aurélio. Nesse caso, o STF reafirmou que impostos sobre a renda devem incidir exclusivamente sobre ganhos efetivamente realizados. Assim, ambos os posicionamentos reforçam uma interpretação consistente com o princípio da realização.
Por conseguinte, essas posições não apenas consolidam a necessidade de que a incidência tributária esteja vinculada a um efetivo acréscimo patrimonial, mas também destacam o papel do princípio da capacidade contributiva como um pilar do sistema tributário. Dessa forma, evita-se a tributação de meras transferências de titularidade que, em última análise, não representem aumento real de riqueza.
O Papel do Advogado no Planejamento Tributário e Sucessório
Diante da complexidade tributária que envolve a transmissão de bens, contar com uma assessoria jurídica especializada é essencial. Um advogado pode:
- Realizar Planejamento Tributário Personalizado: Identificar estratégias para evitar litígios e minimizar custos fiscais.
- Elaborar Estruturas de Investimento Eficientes: Orientar sobre o uso de fundos fechados e outros veículos financeiros para preservação de patrimônio.
- Garantir a Regularidade Jurídica: Evitar arbitrariedades fiscais e proteger os direitos dos herdeiros.
Conclusão
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial nº 1.968.695/SP representa, sem dúvida, um marco significativo no Direito Tributário e Sucessório brasileiro. Nesse sentido, ao determinar que não incide Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre a transferência de cotas de fundos de investimento por sucessão causa mortis, quando os herdeiros optam por manter os valores declarados na última Declaração de Imposto de Renda do falecido, o STJ reforça, de maneira clara, os princípios da legalidade e da capacidade contributiva como pilares da tributação.
Para famílias e empresas, essa decisão vai além de um precedente jurídico; ela destaca, por outro lado, a importância do planejamento sucessório estratégico. Assim, organizar a transmissão de bens de forma eficiente torna-se essencial para proteger o patrimônio e evitar tributações indevidas. Portanto, ao planejar um inventário ou a transferência de bens, é recomendável buscar, acima de tudo, especialistas que compreendam as nuances do sistema tributário brasileiro. Dessa forma, esses profissionais podem oferecer soluções eficazes para maximizar os benefícios e mitigar riscos, assegurando, além disso, que o processo de direito sucessório ocorra de maneira alinhada às melhores práticas legais e fiscais.
Referências
BRASIL. Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a legislação tributária federal.
STJ. REsp nº 1.968.695/SP, Rel. MINISTRO GURGEL DE FARIA, julgado em 13/08/2024. Disponível em: https://www.stj.jus.br.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 40. ed. São Paulo: Malheiros, 2021.
TIPKE, Klaus. Grundfragen der Steuerrecht. Munique: Beck, 2015.
IRS. Estate and Gift Taxes. Disponível em: https://www.irs.gov.