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Valoração das provas produzidas por sistemas automatizados

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Sumário


Opinião

A crescente utilização da inteligência artificial nos processos judiciais levanta questões cruciais sobre a produção e valoração das provas geradas por esses sistemas. No Brasil, onde o direito processual é fundamentado nos princípios de contraditório, ampla defesa e imparcialidade, a incorporação da IA como “produtora de prova” e “avaliadora de decisões” impõe desafios à prática jurídica.

Este artigo analisa como a IA interfere na produção e avaliação da prova judicial, explorando tanto suas potencialidades quanto os limites éticos e jurídicos para a aceitação de provas automatizadas no contexto legal brasileiro.

IA como ferramenta de produção de provas

A inteligência artificial já é empregada em diferentes funções no Direito: análise de documentos, previsão de decisões judiciais e até para o reconhecimento facial em investigações criminais. No entanto, o uso de IA para produzir provas suscita questões sobre confiabilidade, precisão e neutralidade dos sistemas.

Por exemplo, o reconhecimento facial automatizado, amplamente utilizado pela segurança pública e privada, frequentemente apresenta falhas, principalmente em pessoas de grupos minoritários. Essas falhas podem comprometer a fidedignidade da prova e gerar injustiças processuais. Esse cenário coloca em xeque o valor probatório dessas evidências e desafia os operadores do direito a discutir a validade dessas provas no contexto de um processo.

Exemplo internacional: casos de erros no reconhecimento facial

Em 2020, nos Estados Unidos, o caso de Robert Williams ilustrou a falibilidade do reconhecimento facial automatizado: Williams foi preso erroneamente com base em uma correspondência incorreta de seu rosto no sistema de IA. Este e outros casos apontam para a necessidade de cautela na valoração de provas geradas por inteligência artificial, especialmente quando o direito à liberdade está em jogo.

Princípios processuais e a valoração da prova automatizada

No direito brasileiro, a admissibilidade da prova está fortemente associada aos princípios constitucionais de contraditório e ampla defesa. Provas obtidas por meio de IA, sem transparência ou com vieses, podem infringir esses princípios e comprometer o processo judicial.

Transparência e explicabilidade dos algoritmos

A “explicabilidade” dos algoritmos é fundamental para garantir a transparência das provas produzidas por IA. Diferente das provas tradicionais, as geradas por IA dependem de algoritmos complexos, muitas vezes inacessíveis ao público e aos advogados, o que dificulta a contestação.

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Em uma ação judicial, a parte prejudicada tem o direito de entender como e por que uma determinada prova foi produzida ou como uma decisão foi tomada pelo sistema de IA.

Desafios éticos e limites legais

A utilização da IA no âmbito judicial impõe não só desafios técnicos, mas também éticos e jurídicos. Questões como a privacidade de dados e a discriminação algorítmica (quando o algoritmo reproduz vieses sociais) impactam diretamente o princípio da isonomia.

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) trouxe diretrizes importantes, estabelecendo que o tratamento de dados pessoais deve respeitar a transparência e a finalidade. No entanto, a LGPD ainda não prevê diretamente como os dados processados por IA devem ser avaliados no contexto de uma prova judicial. Esse vácuo legislativo revela a urgência de regulamentação para preservar a integridade do processo judicial.

Decisões recentes e a jurisprudência brasileira sobre provas tecnológicas

Até o momento, a jurisprudência brasileira sobre o uso de inteligência artificial em provas judiciais ainda é incipiente. Embora o tema esteja em discussão, há poucas decisões concretas que abordem a questão da IA na produção de provas e sua valoração no contexto judicial.

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) implementou o Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (Sniper), que emprega IA para aumentar a eficácia na localização de bens e recursos em processos de execução. Embora o Sniper seja uma ferramenta de apoio, e não um “produtor de prova” propriamente dito, sua utilização demonstra a disposição do Judiciário em integrar a tecnologia aos procedimentos de execução e recuperação de ativos, trazendo agilidade e eficiência aos processos.

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Além disso, discussões sobre o uso de tecnologia deepfake em campanhas eleitorais têm acendido alertas sobre a possibilidade de manipulação de provas visuais e auditivas. Entretanto, as decisões judiciais ainda refletem uma abordagem cautelosa e limitada, dada a complexidade e a falta de regulamentação específica sobre a valoração de provas produzidas por IA.

Discussões sobre a prática judicial

É crucial que juízes e advogados se preparem para lidar com provas geradas por IA. Isso pode incluir a necessidade de formação contínua sobre a tecnologia, a implementação de diretrizes para a utilização de IA em processos judiciais e a promoção de debates sobre ética e legalidade.

A caminho de uma nova cultura probatória

A introdução da inteligência artificial na produção de provas judiciais exige uma nova postura dos operadores do Direito. Para garantir a segurança jurídica e a imparcialidade processual, é essencial que o Judiciário brasileiro desenvolva normas claras que estabeleçam critérios mínimos para a validade de provas produzidas por IA.

Ao regulamentar o uso de provas digitais, o legislador e os tribunais devem privilegiar a transparência dos sistemas e garantir o direito de defesa, evitando que o uso da IA comprometa a justiça material. É necessário um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a preservação dos princípios processuais fundamentais para que a IA, ao invés de representar um risco, seja um verdadeiro instrumento de justiça.

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