Processo Tributário
O rito especial das ações constitucionais, Habeas Corpus, habeas data e mandado de segurança traz diversas particularidades, que se distanciam dos critérios materiais que justificam demandas forjadas nos ritos de procedimento ordinário.
É o caso do mandado de segurança, dotado de requisito específico de procedibilidade: a presença de direito líquido e certo que se vê ferido ou na iminência de lesão por ato de autoridade. [1]
Uma vez que ainda é possível se deparar no dia a dia do contencioso judicial tributário com decisões que passam ao largo do conceito de direito líquido e certo, limitando a acessibilidade à jurisdição por confundi-lo com a complexidade fática posta em discussão na ação mandamental, que entendemos por bem responder à seguinte pergunta: a complexidade da matéria objeto do writ pode se sobrepor à evidência documental a fim de justificar sua inadmissibilidade?
É cediço que a cognição no mandamus se limita àquilo que está integralmente provado, ou melhor, evidenciado no acervo probatório colacionado, isto porque, direito líquido e certo é expressão que compreende a ideia de produção de prova pré-constituída no ato de distribuição da petição inicial da ação mandamental, apenas isso.
Assim, irrelevante avaliação acerca da complexidade da questão objeto da ação, bastando que seja cognoscível pela análise dos documentos acostados com a exordial. É o que leciona Rodrigo Dalla Pria:
O direito líquido e certo, por outro lado, diz com a “aferibilidade” das alegações de fato (causa de pedir remota) que dão sustentação à pretensão deduzida, a ser realizada a partir do acervo probatório documental que viera instruir a demanda, viabilizando a emissão de um juízo seguro acerca da procedência ou não da pretensão deduzida. Trata-se, portanto, da capacidade de se demonstrar, mediante “prova pré-constituída”, todo espectro fático sobre o qual restar fundada a pretensão mandamental. [2]
Assim, a “complexidade do direito” deve ser tomada como referência ao fato-evento que ensejou o conflito, à sua compreensão fática, isto é, ao acontecimento do mundo real que ensejou a necessidade de socorrer-se da prestação da tutela jurisdicional mandamental.
Prova dos fatos
Não há direito complexo, que nada mais é do que o conjunto de disposições prescritivas que regulam a conduta intersubjetiva entre fisco e contribuinte. Por isso, basta a prova dos fatos (e de plano) para autorizar o cabimento do mandado de segurança, seja em sua versão repressiva (na hipótese de lesão) ou preventiva (quando há eminente risco de lesão). [3]
Mas, não é só por isso que a complexidade “do direito” não pode barrar o acesso à Jurisdição via mandado de segurança, outro ponto que deve ser considerado é o fato de configurar verdadeiro instrumento de concretização de garantias fundamentais do cidadão-contribuinte.
Sob essa ótica, o que encontramos é a busca do texto constitucional de proteção a toda lesão ou ameaça de violação a direito [4].
Portanto, não encontra respaldo técnico-jurídico constitucional a decisão que afasta da apreciação de mérito a tutela jurisdicional mandamental com fundamento na complexidade “do direito”.
Ora, a garantia constitucional ao mandado de segurança deve ser tomada em sua máxima efetividade, a fim de que o contribuinte se sinta amparado em ter sua pretensão analisada, assim como protegido do que reputa ser um excesso da autoridade pública, seja de maneira ativa com a prática de algum ato, seja na hipótese de sua inércia.
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[1] Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
[2] PRIA, Rodrigo Dala. Direito Processual Tributário. 3ª edição. São Paulo: Noeses, 2024, p. 406.
[3] É aquilo que ensinam Paulo Cesar Conrado e Eurico de Santi em artigo conjunto:
“Na expressão direito líquido e certo para fins de mandado de segurança, o que se tira, portanto, é que o predicativo líquido e certo não se aplica imediatamente à ideia de direito, mas aos fundamentos fácticos e jurídicos que sustentam o exercício dessa especial forma de jurisdição: liquidez e certeza, neste sentido, é a tessitura do argumento jurídico, articulada na inicial do mandado de segurança, se necessário com a prova dos fatos que o justificam, tendente a qualificar o direito que se pleiteia.” – Mandado de segurança preventivo em matéria tributária: Requisitos e efeitos. In: Processo Tributário Analítico, volume I. CONRADO, Paulo Cesar, Coord. 3ª edição. São Paulo: Noeses, 2015, p. 179.
[4] Art. 5º, CF/1988. (…)
XXXV – a Lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.
Art. 3º, CPC/2015. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.