O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência estadual, é um dos tributos mais relevantes no contexto do planejamento sucessório e patrimonial. A correta compreensão de seus fatos geradores, alíquotas, casos de não incidência e isenção, bem como suas implicações nas transmissões por doação e sucessão legítima ou testamentária, é fundamental para garantir a eficácia na gestão de patrimônios, principalmente quando envolvem estruturas mais complexas, como holdings familiares. Além disso, a discussão sobre a possível incidência de Imposto de Renda (IR) sobre doações, que vem sendo debatida e afastada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob a alegação de bitributação, torna o tema ainda mais atual e complexo.
Este artigo aborda os aspectos jurídicos essenciais do ITCMD, trazendo uma análise aprofundada das normas aplicáveis, a visão de renomados doutrinadores e as posições jurisprudenciais consolidadas pelo STJ e STF.
1. Fatos Geradores e Alíquotas do ITCMD
O ITCMD incide sobre duas operações principais: a transmissão de bens e direitos por sucessão causa mortis e a doação. Em outras palavras, o imposto é devido quando há a transferência de patrimônio em virtude do falecimento de uma pessoa (herança) ou quando ocorre uma doação em vida. Esses fatos geradores são regulados pelo art. 155, I, da Constituição Federal, que estabelece a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir e cobrar o tributo.
Cada Estado possui autonomia para definir as alíquotas do ITCMD, que variam de acordo com a legislação local, respeitando um limite máximo de 8%, conforme decisão do Senado Federal (Resolução nº 9, de 1992). Em muitos Estados, as alíquotas praticadas oscilam entre 2% e 6%, dependendo do valor do bem transmitido e da faixa de tributação definida pela legislação estadual específica.
Segundo Carvalho (2021), “o ITCMD é um tributo essencial no contexto da arrecadação estadual, sendo também um ponto crítico no planejamento sucessório, pois a variação das alíquotas entre as unidades federativas pode significar uma diferença substancial na carga tributária a ser suportada pelos herdeiros ou donatários”.
2. Incidência na Sucessão Legítima e Testamentária
No contexto da sucessão causa mortis, o ITCMD é devido quando ocorre a abertura da sucessão, isto é, com o falecimento do titular dos bens e direitos. O fato gerador ocorre independentemente da existência de testamento, abrangendo tanto a sucessão legítima (quando os herdeiros são definidos pela lei, seguindo a ordem de vocação hereditária) quanto a sucessão testamentária (quando há disposição expressa da vontade do falecido por meio de testamento).
É importante destacar que a base de cálculo do ITCMD é o valor venal dos bens transmitidos, e, em muitos casos, o pagamento do tributo é um pré-requisito para a partilha do patrimônio, sendo cobrado antes da expedição do formal de partilha ou da escritura pública de inventário extrajudicial. O STJ tem consolidado o entendimento de que, para a apuração do valor do imposto, deve-se considerar o valor de mercado dos bens na data da abertura da sucessão.
3. Incidência sobre Doações, Quotas Sociais e Holdings Patrimoniais
O ITCMD também incide sobre doações realizadas em vida, sejam elas de bens móveis, imóveis ou até mesmo quotas sociais de sociedades empresariais. A transmissão de quotas de uma holding patrimonial como forma de planejamento sucessório é uma prática comum que visa evitar a necessidade de inventário judicial e a consequente morosidade processual, permitindo uma transição patrimonial mais rápida e eficiente. No entanto, é crucial considerar que, mesmo que o planejamento sucessório envolva estruturas de holdings familiares, a transmissão de quotas por doação está sujeita ao ITCMD, cuja base de cálculo será o valor patrimonial ou de mercado das quotas.
Um aspecto importante na doação de quotas é a possibilidade de reserva de usufruto, prática que permite ao doador transferir a nua-propriedade das quotas para os donatários (geralmente os filhos) enquanto mantém o direito ao usufruto, ou seja, a gestão e recebimento dos frutos das quotas. Essa estratégia é válida e pode ser vantajosa para o planejamento familiar, mas não isenta a operação da incidência do ITCMD.
4. Casos de Não Incidência e Isenção
As legislações estaduais preveem hipóteses de não incidência e isenção do ITCMD, variando conforme a unidade federativa. Alguns Estados, por exemplo, estabelecem isenções para pequenas doações de baixo valor ou para transmissões de bens de caráter cultural ou social, como obras de arte e doações para entidades beneficentes. Outras hipóteses de não incidência incluem a transmissão de bens de pequeno valor em razão de doações para fins educacionais ou filantrópicos, conforme previsto em legislações estaduais como a Lei nº 10.705/2000 de São Paulo.
Contudo, é fundamental que o planejamento sucessório e patrimonial considere as especificidades locais, uma vez que as regras de isenção e não incidência do ITCMD não são uniformes em todo o território nacional, podendo haver variações significativas de Estado para Estado.
5. A Polêmica da Incidência de Imposto de Renda sobre Doações e Decisões do STF
Uma questão que tem gerado controvérsia e importantes debates no âmbito do Direito Tributário é a possível incidência de Imposto de Renda (IR) sobre as doações recebidas. A Receita Federal, em determinados casos, manifestou o entendimento de que o ganho patrimonial resultante da doação configuraria um acréscimo patrimonial passível de tributação pelo IR, o que gerou um cenário de insegurança jurídica.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem se posicionando de forma contrária a essa tese, entendendo que a incidência de IR sobre doações caracterizaria uma forma de bitributação, uma vez que o ITCMD já é devidamente recolhido sobre a operação de transferência de patrimônio. No RE 898.060/SP, com repercussão geral reconhecida, o STF decidiu que a tributação de doações pelo IR é inconstitucional, firmando a tese de que o acréscimo patrimonial resultante de doações está coberto pela incidência exclusiva do ITCMD, afastando a pretensão de bitributação.
Segundo a doutrina de Ricardo Lobo Torres, “o princípio da vedação da bitributação se aplica especialmente em casos onde a competência para tributar é exclusiva de um ente federado, como ocorre na transmissão causa mortis e nas doações, sendo inadmissível que o mesmo fato gerador seja tributado por mais de um ente”.
6. Considerações Finais
O ITCMD é um tributo de extrema relevância para o planejamento sucessório e patrimonial, exigindo uma análise cuidadosa dos fatos geradores, alíquotas e eventuais hipóteses de isenção previstas na legislação estadual aplicável. A correta compreensão do imposto é essencial para evitar surpresas desagradáveis e assegurar uma transição patrimonial eficiente e juridicamente segura, especialmente em contextos de sucessão e transmissão de quotas de holdings familiares.
A recente jurisprudência do STF sobre a não incidência de IR sobre doações representa um avanço significativo para a segurança jurídica, eliminando dúvidas sobre a possível bitributação e reforçando a exclusividade do ITCMD nas transmissões patrimoniais. Cabe ao consultor jurídico orientar seus clientes sobre as melhores estratégias de planejamento, sempre considerando o complexo cenário normativo e tributário envolvido.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 out. 2024.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 out. 2024.
CARVALHO, Ricardo. Impostos sobre Transmissão e Planejamento Sucessório. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
LOBO TORRES, Ricardo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.