A tributação incidente sobre operações imobiliárias é um tema de constante debate e complexidade no ordenamento jurídico brasileiro, destacando-se o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Este tributo, de competência municipal, incide sobre a transmissão de propriedade imobiliária inter vivos, seja por compra e venda ou em operações específicas, como a integralização de imóveis ao capital social de empresas, especialmente holdings patrimoniais.
A correta compreensão dos elementos que compõem o ITBI — tais como base de cálculo, alíquota e fatos geradores — é fundamental para evitar litígios e garantir que as operações imobiliárias sejam realizadas de maneira eficiente e dentro da legalidade. Este artigo aborda os principais aspectos do ITBI, destacando as polêmicas relacionadas aos valores de avaliação dos imóveis pelas prefeituras, as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a integralização de imóveis em holdings e a importância de um planejamento tributário adequado.
- ITBI: Base de Cálculo, Alíquota e Fatos Geradores
O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é regido pelo artigo 156, inciso II, da Constituição Federal, que atribui aos municípios a competência para instituir e regulamentar a cobrança do tributo. O fato gerador do ITBI ocorre quando há a transmissão de bens imóveis ou direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, por ato oneroso inter vivos, ou seja, situações como compra e venda e permuta.
A base de cálculo do ITBI é o valor venal do bem ou direito transmitido. Cada município tem a prerrogativa de definir os critérios para a apuração do valor venal, que pode não corresponder ao valor de mercado ou ao valor declarado na transação, gerando divergências significativas. As alíquotas variam de acordo com a legislação municipal, normalmente oscilando entre 2% a 5% do valor da operação, conforme estabelecido pelas prefeituras.
O Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 38, dispõe que a base de cálculo do ITBI será o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. No entanto, o conceito de “valor venal” frequentemente gera controvérsia, pois sua determinação pode variar conforme os critérios adotados por cada município.
2.0 Polêmica: Valores Tabelados e Divergências com o Valor de Transação
Uma das maiores polêmicas envolvendo o ITBI diz respeito ao valor de referência estipulado pelas prefeituras para calcular o imposto. Frequentemente, os municípios estabelecem tabelas de valores venais para imóveis, que podem ser significativamente superiores ao valor real da transação realizada entre as partes. Essa prática resulta em uma tributação que muitas vezes não reflete a realidade econômica do negócio jurídico.
A jurisprudência tem se manifestado sobre esse tema, com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmando que “o ITBI deve ser calculado com base no valor da transação efetivamente realizada, salvo se o valor de mercado for superior, quando então a Fazenda poderá cobrar a diferença mediante lançamento de ofício, observado o devido processo legal” (REsp 1.111.202/PR). Ou seja, a presunção de veracidade do valor venal estabelecido pelas prefeituras não é absoluta, e cabe ao contribuinte demonstrar que o valor declarado na escritura reflete o valor real de mercado da operação.
Para José Eduardo Soares de Melo, renomado doutrinador em Direito Tributário, “a adoção de valores tabelados pelas prefeituras sem considerar o valor de mercado é uma prática que viola o princípio da capacidade contributiva e pode configurar uma tributação abusiva”. A controvérsia sobre os valores de referência leva a inúmeros litígios, com contribuintes buscando a revisão dos valores arbitrados para evitar o pagamento de um imposto excessivo.
3.0 Integralização de Imóveis em Holdings e a Imunidade Constitucional
A integralização de imóveis ao capital social de empresas, especialmente em holdings patrimoniais, é uma prática comum no planejamento sucessório e na gestão eficiente de patrimônio. A Constituição Federal, em seu artigo 156, § 2º, inciso I, estabelece que não incidirá ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital, salvo se a atividade preponderante da empresa consistir na compra e venda de bens imóveis, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Essa imunidade constitucional visa facilitar a estruturação de negócios e a gestão patrimonial, mas é limitada à integralização de imóveis para fins de capitalização, não abrangendo operações que tenham como objetivo principal a alienação de imóveis. Contudo, uma questão que tem gerado discussões é a avaliação do valor dos imóveis integralizados. O STF, em recentes julgados, decidiu que a imunidade do ITBI não alcança a diferença entre o valor de mercado do imóvel e o valor contábil quando houver a integralização de bens por valor superior ao declarado no Imposto de Renda.
No julgamento do RE 796.376/SC, o STF firmou o entendimento de que a imunidade não impede a cobrança de ITBI sobre essa diferença de valor, desde que a atividade preponderante da empresa não seja a compra e venda ou locação de imóveis. Esta decisão trouxe clareza, mas também desafios para as empresas que buscam integrar imóveis ao capital social de holdings, uma vez que a avaliação precisa considerar os impactos tributários adicionais.
4.0 Impossibilidade de Integralização pelo Valor de Mercado e o Ganho de Capital
Outro ponto de atenção na integralização de imóveis em holdings é a possibilidade de incidência de ganho de capital quando a integralização é feita pelo valor de mercado dos imóveis. Se o valor contábil registrado no patrimônio da pessoa física for inferior ao valor de mercado, a integralização pelo valor mais elevado pode gerar a necessidade de recolhimento do Imposto de Renda sobre o ganho de capital, o que inviabilizaria economicamente a operação para muitos contribuintes.
O ganho de capital é apurado pela diferença entre o custo de aquisição do imóvel e o valor pelo qual ele é transferido à pessoa jurídica. Caso a integralização ocorra por um valor superior ao custo histórico registrado, a Receita Federal poderá exigir o recolhimento do IR sobre a diferença, como se fosse um lucro obtido pela pessoa física na alienação do bem. Por isso, é crucial considerar essas implicações fiscais no planejamento da operação para evitar custos tributários inesperados e potencialmente elevados.
5.0 Conclusão: A Importância do Planejamento e da Assessoria Especializada
Diante da complexidade do ITBI e das múltiplas implicações fiscais que envolvem a integralização de imóveis e outras formas de transmissão de patrimônio, é essencial contar com a assessoria de profissionais capacitados que possam realizar um estudo detalhado da operação e identificar a forma mais eficiente de executar o planejamento sucessório e patrimonial, sempre respeitando a legalidade e buscando o menor custo tributário possível.
A correta interpretação das normas e das decisões judiciais sobre o tema, aliada ao conhecimento técnico sobre a gestão fiscal, pode resultar em uma economia substancial e na mitigação de riscos para os contribuintes. Assim, a atuação de advogados tributaristas, contadores e consultores especializados é fundamental para que as operações sejam estruturadas de forma adequada e em conformidade com a legislação vigente.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 out. 2024.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Brasília, DF: Presidência da República, 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 out. 2024.
MELO, José Eduardo Soares de. Direito Tributário Imobiliário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2020.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 1.111.202/PR. Relator: Min. Benedito Gonçalves. 1ª Turma. Julgado em 15 set. 2010. Disponível em: https://www.stj.jus.br. Acesso em: 24 out. 2024.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário nº 796.376/SC. Relator: Min. Gilmar Mendes. Plenário. Julgado em 13 mar. 2020. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 24 out. 2024.