A dissolução parcial de sociedade é um dos temas mais relevantes e complexos no âmbito do Direito Empresarial, sendo um mecanismo jurídico que permite a retirada, exclusão ou falecimento de um sócio sem que haja a dissolução total da pessoa jurídica. Trata-se de um procedimento delicado que demanda não apenas uma análise minuciosa das normas societárias e contratuais, mas também uma compreensão profunda do valuation — processo de avaliação do valor justo da empresa — para determinar a indenização devida ao sócio retirante.
A complexidade do tema se agrava na prática, onde aspectos contábeis, financeiros e jurídicos convergem para assegurar uma solução que respeite a boa-fé e a continuidade da empresa, sem prejuízo aos direitos do sócio que se retira. Este artigo aborda o procedimento judicial da dissolução parcial, o papel do valuation na fixação da indenização e a relevância de decisões recentes dos tribunais superiores e doutrina nacional sobre o tema.
1. Dissolução Parcial: Conceito e Fundamentos Legais
A dissolução parcial de sociedade ocorre quando um ou mais sócios se retiram, são excluídos ou falecem, sem que isso implique na extinção da sociedade. De acordo com o artigo 1.031 do Código Civil, o sócio que se retira ou é excluído tem o direito de receber a sua quota-parte do patrimônio social, cujo valor será apurado por meio de balanço especial. O conceito é de suma importância, pois visa resguardar o equilíbrio entre o direito do sócio que deseja ou é compelido a se retirar e a necessidade de continuidade da atividade empresarial pelos sócios remanescentes.
O Código Civil prevê diversas hipóteses de dissolução parcial, como a exclusão de sócio por falta grave (art. 1.085) e a retirada por vontade própria (art. 1.029), todas sujeitas ao devido processo legal e aos contratos societários previamente estabelecidos. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforça a importância de observar esses contratos, mas também estabelece limites claros para evitar que cláusulas abusivas prejudiquem a justa reparação do sócio retirante.
2. Procedimento Judicial de Dissolução Parcial
O procedimento de dissolução parcial de sociedade pode se dar de forma extrajudicial, caso haja consenso entre os sócios, ou judicial, quando existe dissenso ou quando se impõe a necessidade de uma decisão imparcial sobre a apuração dos haveres do sócio retirante.
O procedimento judicial é regulamentado pelo Código de Processo Civil (CPC), especificamente no artigo 599 e seguintes, que tratam das ações de apuração de haveres. A ação é iniciada pelo sócio que deseja sua retirada ou por um remanescente, em caso de exclusão. Uma das partes fundamentais do procedimento é a determinação do valuation, que será o parâmetro para fixação da indenização a ser paga ao sócio que se desliga.
Conforme a doutrina de Fábio Ulhoa Coelho, “a dissolução parcial busca garantir a preservação da empresa, permitindo que ela continue operando sem a necessidade de liquidação completa, ao mesmo tempo em que assegura uma justa compensação ao sócio retirante”. Essa visão é corroborada pelo entendimento pacífico do STJ, que considera que a dissolução parcial não deve prejudicar a continuidade do negócio.
3. Valuation: A Apuração dos Haveres e a Justa Indenização
A apuração de haveres é, sem dúvida, o ponto nevrálgico de todo procedimento de dissolução parcial. O valuation é o processo que visa calcular o valor real das quotas ou ações pertencentes ao sócio retirante, considerando o patrimônio líquido ajustado da sociedade, incluindo ativos intangíveis como marca, fundo de comércio e carteira de clientes.
Na prática, o valuation pode adotar diversos métodos, como o método do fluxo de caixa descontado, o valor patrimonial ou o valor de mercado, dependendo da natureza e do porte da empresa. A escolha do método apropriado é crucial para que a indenização reflita o valor justo do que é devido ao sócio retirante. A jurisprudência do STJ, destaca que “a apuração de haveres deve ser realizada de forma equânime, levando em conta os ativos e passivos da sociedade, de modo a garantir que o sócio retirante receba a justa compensação por sua participação”.
É essencial que a avaliação dos haveres seja feita por peritos qualificados, especialmente em situações onde o litígio é intenso, uma vez que a falta de transparência ou a subvalorização dos ativos pode resultar em uma indenização inferior ao que seria justo e proporcional. A doutrina de Modesto Carvalhosa é clara ao afirmar que “a subavaliação de ativos intangíveis constitui uma forma de enriquecimento sem causa dos sócios remanescentes, devendo ser combatida pelo Judiciário”.
4. Indenização do Sócio Retirante e o Papel da Boa-Fé
O sócio retirante, após a apuração dos haveres, deve ser indenizado na proporção de sua participação societária, levando em conta o valuation determinado. A indenização, contudo, não é automática e pode ser objeto de disputa entre os sócios, especialmente quanto aos prazos de pagamento e à forma de quitação. O artigo 1.031, § 2º, do Código Civil permite que o pagamento seja realizado em dinheiro, salvo acordo entre as partes para outra forma de compensação.
A boa-fé objetiva desempenha um papel fundamental nesse contexto, sendo um princípio norteador das relações contratuais e societárias. O STJ, em diversos julgados, tem reafirmado que a ausência de boa-fé na condução da dissolução parcial — seja na tentativa de subavaliação dos haveres, seja na dilação injustificada do pagamento da indenização — pode ensejar danos morais e materiais, com a devida responsabilização dos sócios remanescentes (REsp 1.715.233/RS).
5. Considerações Finais
A dissolução parcial de sociedade, apesar de ser um tema complexo e, muitas vezes, cercado de disputas acirradas, é um mecanismo essencial para assegurar a continuidade das atividades empresariais e a justa compensação do sócio retirante. A correta condução do procedimento judicial, aliada a uma apuração transparente e precisa dos haveres, é crucial para evitar litígios prolongados e garantir a satisfação de todos os envolvidos.
O valuation e a indenização do sócio retirante devem ser conduzidos com a mais alta responsabilidade e boa-fé, respeitando as normas contratuais e as disposições legais, de modo a refletir a verdadeira valoração dos ativos da empresa. A orientação de um consultor jurídico especializado pode ser determinante para assegurar que os interesses do sócio que se retira sejam devidamente respeitados, sem comprometer a continuidade da sociedade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 out. 2024.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Brasília, DF: Presidência da República, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 24 out. 2024.
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: Direito de Empresa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial: Sociedades Empresárias. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2021.