A ata notarial, em sua essência, constitui-se em um dos instrumentos mais sublimes de materialização da fé pública, dotada de uma força probatória que, embora amplamente reconhecida pela legislação pátria, é ainda demasiadamente subutilizada e pouco compreendida pelos operadores do Direito. Nos campos do Processo Civil e Penal, onde a busca pela verdade processual se entrelaça com o rigor da prova, a ata notarial desponta como um mecanismo de valor inestimável, conferindo às partes uma segurança jurídica ímpar por estar revestida da fé pública, elemento distintivo das funções notariais.
O que me instiga, no entanto, é a falta de conhecimento — ou até mesmo a desconsideração — de muitos advogados e juristas acerca do vasto potencial da ata notarial, que não apenas documenta fatos, mas também os torna revestidos de presunção relativa de veracidade, fortalecendo assim a construção de provas pré-constituídas. Com isso, urge desvelar as nuances e as possibilidades que esse importante instrumento abre no cenário jurídico, trazendo à tona elementos doutrinários e jurisprudenciais que lhe conferem robustez.
A Ata Notarial: Conceito e Abrangência
A ata notarial é um documento lavrado por um tabelião de notas ou seu substituto legal, que tem por objetivo descrever, de maneira imparcial e objetiva, um fato ou situação que lhe seja apresentada, ou que ele próprio constate. Trata-se de uma prova documental pré-constituída, que goza da presunção de veracidade por estar respaldada pela fé pública notarial.
Segundo a doutrina de Carlos Fernando Mathias de Souza, “a fé pública conferida ao notário não é apenas uma mera formalidade burocrática, mas sim a expressão máxima da confiança estatal depositada naquele profissional, para que os fatos por ele atestados sejam considerados verdadeiros, salvo prova em contrário”. Nesse sentido, a ata notarial adquire especial relevância, principalmente quando falamos de questões onde a preservação da prova, antes de qualquer litígio formalizado, é fundamental para a estratégia processual.
A abrangência da ata notarial é tamanha que ela pode versar sobre diversos fatos: desde a certificação de conteúdo de mensagens eletrônicas, como e-mails e conversas de aplicativos de mensagem, passando pela verificação de condições de bens imóveis ou móveis, até a constatação de ocorrências em locais específicos. De fato, não há limites rígidos quanto aos fatos que podem ser objeto de uma ata notarial, sendo esta flexibilidade uma de suas maiores virtudes.
A Ata Notarial no Processo Civil: Elemento de Prova Pré-Constituída
No Processo Civil, a ata notarial destaca-se como um meio de prova documental com um diferencial inquestionável: sua produção antecede a fase judicial. Isto é, ao ser lavrada antes do ajuizamento de uma demanda, ela antecipa, de certa forma, a produção de provas e oferece às partes a possibilidade de documentar a ocorrência de fatos relevantes, evitando, assim, o perecimento de provas em situações em que o tempo pode agir contra a integridade dos elementos probatórios.
O artigo 384 do Código de Processo Civil de 2015, em consonância com essa realidade, estabelece que “a existência e o modo de existir de algum fato podem ser atestados por ata lavrada por tabelião”. Ou seja, a legislação expressamente reconhece a ata notarial como meio legítimo e idôneo para comprovar a veracidade dos fatos nela narrados. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem corroborado essa posição, ao reconhecer reiteradamente a força probante da ata notarial em processos cíveis. Em decisão paradigmática, o STJ, no REsp 1.319.232/RS, afirmou que “a ata notarial, por ser revestida de fé pública, constitui elemento de prova robusto e eficaz para demonstrar a existência de fatos e situações, sendo de inestimável valor probatório no processo civil”.
Ainda segundo a visão de Fredie Didier Jr., renomado processualista brasileiro, “a ata notarial é um verdadeiro catalisador de segurança jurídica, posto que as partes têm à sua disposição um meio de prova que, por sua própria natureza, já nasce pré-constituído, robusto e difícil de ser contestado, dada a sua natureza pública”.
A Ata Notarial no Processo Penal: Garantia de Veracidade e Preservação da Prova
Se no âmbito civil a ata notarial já possui grande relevância, no Processo Penal sua importância é elevada a um nível ainda mais elevado. Em muitas situações, a integridade da prova é crucial para garantir a lisura do processo, e é justamente nesse ponto que a ata notarial exerce um papel essencial.
Imagine, por exemplo, a constatação de ameaças recebidas por meio de mensagens eletrônicas, como é comum em casos de crimes contra a honra ou violência psicológica. A ata notarial pode ser lavrada para certificar o teor dessas mensagens, resguardando sua autenticidade e impossibilitando qualquer alegação de alteração ou manipulação futura. Aqui, a fé pública notarial resplandece como um verdadeiro escudo contra fraudes e tentativas de distorcer a realidade dos fatos.
A doutrina penalista de Guilherme de Souza Nucci reconhece que “a ata notarial constitui-se em elemento de prova de grande valia no processo penal, sobretudo pela sua capacidade de preservar a integridade da prova e pela impossibilidade de desqualificação fácil de seu conteúdo”. Além disso, no campo do Direito Penal, onde a prova da materialidade é essencial, a ata notarial atua como um importante mecanismo de salvaguarda para as partes envolvidas.
Fé Pública e Presunção de Veracidade: Uma Ferramenta Poderosa
Não podemos deixar de sublinhar o caráter de fé pública que reveste a ata notarial. A presunção relativa de veracidade que ela carrega é, de fato, um dos seus maiores trunfos. Isso significa que, enquanto não houver prova em contrário, os fatos narrados na ata são considerados verdadeiros perante o Judiciário.
A força da fé pública notarial é reconhecida pela jurisprudência e encontra respaldo em princípios de ordem pública. No entanto, vale ressaltar que essa presunção é relativa, ou seja, admite prova contrária. Ainda assim, o ônus de desconstituir os fatos narrados na ata recai sobre a parte que contesta sua veracidade, o que reforça ainda mais sua eficácia e relevância no cenário processual.
Considerações Finais
A ata notarial, enquanto elemento de prova, é uma verdadeira joia ainda não lapidada por muitos operadores do Direito, mas que possui um potencial imenso de transformar a dinâmica processual, tanto na esfera cível quanto penal. Seja para a constatação de fatos ou para a preservação de provas, esse instrumento oferece às partes uma segurança jurídica que poucas outras provas documentais podem garantir.
Advogados, juristas e todos aqueles que militam no campo do Direito precisam ampliar seu olhar para essa ferramenta, compreendendo sua importância e seu vasto campo de aplicação. Afinal, como bem coloca Pontes de Miranda, “a prova é a alma do processo, e a ata notarial é uma de suas expressões mais fidedignas e incontestáveis”.